[Ed. #51] Chapa2: Como lidar com informações distorcidas sobre seu filho e o uso de Maconha!

Hoje o Chapa2 vai falar de um assunto muito importante: o tratamento que os pais devem ter com os filhos em um momento muitas vezes traumático que é o descobrimento do hábito, ou vício, de fumar maconha. A motivação para o nosso post é uma matéria assinada por Priscilla Nery, do site VilaMulher. O site é voltado para o público certo, em geral mães de família, e por isso a necessidade de fazer barulho nos comentários.

O Hempadão fez um teste lá e já viu que o espaço do público não é moderado, o que é ótimo, já que permite um debate justo, sem censuras. Acredito que a força de bons argumentos possam ajudar mães desesperadas, muitas vezes por nada. Não é nem que defendamos a maconha como uma droga fraca, mas simplesmente é fácil perceber que a grande maioria das pessoas que consumiram maconha durante a vida simplesmente largaram ou mantiveram o hábito sem grandes sequelas.

O texto começa da forma mais careta possível, buscando tipo um jornalismo literário que é característico do texto de revistas, embora esquecendo que é preciso nessa modalidade uma pitada lírica de criatividade, não descrições genéricas:

Seu filho chega da escola apático e diz que vai jogar bola com amigos do bairro. Depois de alguns minutos, você percebe que ele esqueceu a mochila em casa.

Rapidamente, você toma a mochila - sem perceber que está aberta - e corre para a porta. Um pacotinho estranho cai, espalhando um cheiro intenso. De repente, você descobre que seu filho carregava maconha na mochila. Essa pode ser a história de qualquer mãe. A droga não escolhe classe social, cor ou sexo. Todos estão sujeitos a se tornar dependentes, mesmo experimentando uma "erva natural" como a maconha apenas por curiosidade.

leia o texto completo AQUI.

No fragmento já é possível analisar alguns erros. Em primeiro lugar a maconha precisa se realmente boa para que somente no ato de cair no chão já exale um cheiro intenso. Segundo, porque o filho chega da escola apático? E mais, é completamente impossível que uma única experiência leve ao vício em maconha. Essa idéia desespera os pais, que por vezes faz sofrer os filhos. O sofrimento que pode gerar a rebeldia e então essa sim, deixa o usuário muito mais perto da dependência psicológica ou do caminho de outras drogas.

Exemplos como o de pais que expulsam filhos de casa são os melhores para ilustrar o quanto o comportamento dos pais pode, muitas vezes, ser mais prejudicial na vida dos filhos do que a própria cannabis. É preciso esclarescer, no entanto, que a matéria não é assim tão reacionária e aponta que a melhor solução de fato não é ser agressivo ou severo demais, já que isso vai afastar ainda mais os familiares. No entanto mais um erro é encontrado quando o texto evolui quando a única fonte da reportagem diz que "a conversa não é tão simples como parece. Normalmente, o jovem vai negar de qualquer jeito que usa drogas, dizendo que o pacote é de um amigo, por exemplo", especula o doutor Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula, de São Paulo.

Também é preciso fazer a ressalva de que por ter começado o texto falando em  escola, a matéria teve o direcionamento para o uso - de fato indevido - por usuário menores de idade. É importante dizer isso pois esse comportamento de negação é mais comum entre usuários adolescente. Geralmente quando se é maior de idade, socialmente ativo, a conversa pode ser muito proveitosa e tranquilizadora, basta que o jovem seja bem informado e tenha a oportunidade de ser ouvido.

Mais uma aspas do conservadorismo cego: "Na maioria das vezes, a pessoa começa a usar pequenas doses de maconha para mascarar os problemas. E encontra ali uma espécie de fuga, longe do contato com a realidade. Mas, com o tempo, aumenta a tolerância de seu organismo e ela sente que precisa de doses maiores e de substâncias mais fortes". Novamente a Hempada precisa dizer: a maconha que esse doutor conhece deve ser muito boa mesmo, já que a utilizada pelos editores da hempada nunca conseguiu tirar ninguém da realidade. Aliás, é preciso perguntar para desvelar o real, como já sabiam os gregos.

Então vamos lá: Que estudo terá sido utilizado para que o doutor possa afirmar que "na maioria das vezes" o usuário de maconha quer "mascarar os problemas"? E outra, não é bem a tolerância que leva o usuário de maconha à outras drogas. É cabível acreditar que de tanto fumar maconha alguém vai começar a não sentir mais onda e buscar cocaína? Qualquer pessoa sabe disso, menos a repórter, que escreveu isso no final de seu texto.

Mas o ponto mais absurdo do texto é o ponto em que o doutor sugere a internação do usuário. Lembrando que o título da matéria se refere especificamente à maconha, temos que nos colocar absolutamente contra essa idéia. Segundo o autor, essa medida faz com que os pais sofram menos. Ora, deve mesmo ser menos dolorido ter um filho internado do que vê-lo estudando geografia ou direto na universidade pública. É claro que existem casos em que a ajuda médica é necessária e se o usuário sentir essa necessidade, deve procurá-la. Casos em que a maconha prejudica os estudos e as motivações devem existir, mas estão muito longe de ser a maioria.

O doutor ainda fez o favor de lembrar, e a repórter fez questão de incluir no texto, que alguns planos de saúde cobrem até 15 dias de internação. Ora, para que fosse funcional, além disso seria necessário que um método revolucionário tivesse sido inventado, já que particularmente nunca vi um dependente ser curado em tão pouco tempo. Além disso é preciso ilustrar o nosso post com uma experiência profissional interessante. A equipe de reportagem do Hempadão perguntou para pelo menos três profissionais de psicologia que atuam em casas de recuperação no Rio de Janeiro sobre a quantidade de atendimentos prestados à vítimas da cannabis sativa, a resposta foi unânime: nunca tiveram ocorrência de algum maconheiro desesperado por largar a erva. Hoje em dia infelizmente o trabalho limita-se quase que exclusivamente a usuários de crack e eventualmente cocaína.

No entanto vale lembrar que praticamente 100% dos atendidos nas clínicas começaram com a maconha, o que não comprova a teoria da escada, já que somente uma parte pequena de usuários migram para outras drogas. Comprovar isso é fácil, basta que vejamos o número de pessoas que fumam maconha e o número de usuário das outras drogas. É preciso conversa entre pais e filhos para que seja estabelecida uma relação de confiança e responsabilidade. O problema é que muitas vezes a relação de intimidade entre os familiares nunca foi sequer iniciada.