terça-feira, 19 de outubro de 2010

[Ed. 86#] Chapa2: Drogas e Embriaguez – Lançamento do Livro de Henrique Carneiro!

por Tales Henrique Coelho

Você sabia que até a erva mate já foi proibida na época da América Colonial? Esta e outras informações sobre o uso de diferentes tipos de drogas ao longo da história humana estão presentes no livro “Bebida, Abstinência e Temperança”, do professor Henrique Carneiro, do departamento de história da USP, que será lançado nesta terça, às 18h30 na Livraria da Vila, em São Paulo. O livro analisa o tema da embriaguez – entendida como a alteração  da consciência com bebidas alcoólicas e outras drogas – em diferentes contextos históricos e culturais, como a relação dos muçulmanos com o haxixe, dos protestantes com o álcool e dos gregos com o vinho.

Henrique Carneiro é categórico ao afirmar que “todas as políticas proibicionistas que tentam impor a abstinência compulsória por meios repressivos, jurídicos e policiais é totalitária na sua essência. Elas visam tutelar a liberdade de cada individuo de escolher seu estilo de vida”. O autor afirma também que o “proibicionismo potencializa riscos e aspectos destrutivos das drogas”. Confira abaixo a entrevista concedida pelo autor ao Hempadão.

Qual a sua formação, e como você começou a estudar esta "história das drogas"?

Minha formação é como historiador, fiz mestrado e doutorado em história social na USP, estudando a história da farmácia e da botânica moderna. Ao investigar os "herbários", compêndios do saber herborístico entre os séculos XVI e XVIII busquei entender os critérios de distinção entre alimentos e remédios, entre plantas prescritas e outras proscritas. Me dei conta de todo um sistema vigente, de herança hipocrático-galênica, da "teoria dos quatro elementos e humores" governando a visão micro e macrocósmica, que praticava terapias catárticas (sangrias, purgas) e que a partir da Europa entrava em contato com os mundos coloniais e suas novas plantas.

Como a cultura e a moral religiosas influenciaram a legislação e o comportamento da sociedade em relação às drogas, lícitas e ilícitas?

O tema é complexo para uma resposta curta, sob risco de simplificar, diria que a visão de mundo cristã européia divinizou o vinho e legitimou-o como a droga por excelência dessa civilização. No curso da história ocidental, muitas plantas foram perseguidas e depois assimiladas e tornadas as mais importantes: o ópio e o tabaco são os dois maiores exemplos. No curso dos debates internos ao cristianismo o tema dos tipos de usos litúrgicos do vinho foi objeto de grande controvérsia e nos conflitos com outras religiões houve uma demonização de suas características peculiares, como no caso da conversão ameríndia onde as práticas tradicionais foram perseguidas como "idolatria". No islamismo também há tensões e conflitos em torno ao uso de vinho, café, tabaco, cat, maconha e ópio, com diversas atitudes em épocas e regiões distintas. Como os usos tradicionais em sociedades periféricas tem relações com a esfera do sagrado, o conflito do cristianismo com essas práticas foi comum.

O discurso moral contra as drogas é uma grande "justificativa" para a guerra às drogas, que vitima principalmente a população pobre, e até as milícias. Em sua pesquisa você encontrou outro exemplos onde a droga seja usada para justificar mecanismos de controle social?

As drogas sempre foram meios de controle, fonte de poder e riqueza. Por elas se fez comércio, guerras, Estados arrecadaram tributos, escravos foram levados de um continente a outros. Tratados diplomáticos visaram seu controle monopolístico. São gêneros de primeira necessidade, produtos altamente demandados, de alto valor comercial, o que se multiplica enormemente em situações de proibição. O mercado paralelo das drogas é dos mais promissores para o capitalismo especulativo e parasitário do nosso tempo, seu capital financia boa parte das guerras do mundo nas últimas décadas. O encarceramento dos pobres, dos povos coloniais e das minorias étnicas se faz sob o pretexto da guerra às drogas.

Existe sociedade humana sem embriaguez?

3) Sociedades sem embriaguez são muito raras. Alguns, por opção, como os espartanos na Grécia clássica. Outros por falta de matérias-primas, como os habitantes de regiões polares. Mas, de forma geral, a embriaguez considerada como alteração voluntária da consciência com bebidas alcoólicas e/ou outras drogas é um fenômeno recorrente, praticamente universal, com características estruturais na relação de metabolismo das sociedades humanas com o mundo vegetal.

Na sua pesquisa você aponta usos "positivos" de certos tipos de embriaguez. Você acha que falta à nossa sociedade consciência sobre certos aspectos do que possam ser aproveitados de maneira positiva?

4) A sociedade contemporânea convive com usos volumosos e incitados pelo mercado, legal e ilegal, com propaganda e verbas oficiais em três circuitos: remédios farmacêuticos, drogas lícitas (álcool, café, tabaco, etc.) e ilícitas. Esses usos refletem formas muitas vezes problemáticas de relação com as drogas, especialmente as da indústria oficial, veiculadas com propaganda insidiosa e meios corruptos. As ilícitas são adulteradas, sem controle de qualidade e com dosagens inexatas. As lícitas são objeto de incitação publicitária e apologia oficial (cachaça, p.ex.). Esses usos são muito marcados pela natureza mercantil da sociedade. Os saberes sobre drogas podem ser de natureza diversa desses usos problemáticos. Pode haver regulações autonômicas, estabelecidas por culturas tradicionais ou mesmo por culturas juvenis urbanas. Usos religiosos, estéticos e lúdicos podem assim expressar técnicas vitais, tecnologias da plasticidade subjetiva, formas de modulação de si, de produção de si, de cuidado de si.

Os cardápios disponíveis, as formas sociais de usos, as regulações protetoras, são diminuidos com o proibicionismo que potencializa riscos e aspectos destrutivos.

Há drogas que são necessariamente ruins em todos os seus efeitos, ou isso depende da cultura e o contexto em que se dá sua utilização?

5) Nenhuma droga psicoativa é ruim em si mesma (ou boa em si mesma). Cada uma possui virtudes e riscos intrínsecos. Os riscos são mensuráveis. Canábis e psicodélicos (LSD, psilocibina, DMT), por exemplo, não tem quase toxicidade, ou seja, não tem letalidade, portanto risco fisiológico quase inexistente (mas com alterações comportamentais fortes, no caso dos psicodélicos, impeditivas de dirigir ou estar em lugares perigosos). Álcool tem um dos maiores potenciais de riscos, orgânicos e comportamentais. Tabaco tem alto risco orgânico e quase inexistente risco de alteração de conduta. Depois, a droga não é uma entidade metafísica abstrata, ela existe num ser e num cenário concreto. É diferente, obviamente, cheirar cocaína na cobertura do apartamento de luxo ou fumar crack na sarjeta. Seus efeitos dependem do conexto, das idiossincrasias do sujeito e, em grande parte, das expectativas, o que se chama efeito placebo. Por isso, as drogas são fenômenos complexos, irredutíveis a uma substancialidade própria abstrata, elas são sempre um contrato entre um ser humano e uma substância, uma relação e não uma entidade ontologicamente própria, elas não tem um "ser" próprio, seu ser só se revela dentro de outro ser.

11 comentários:

  1. Na moral , se o mate fosse proibido tb, Ipanema (p9) seria vazia! Se bem que.... humm legalize it!

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  2. cara inteligente é outra coisa sabe argumentar . exelente!

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  3. Maneiro. Que tal montarmos uma biblioteca virutal cannábica, com livros que tratam sobre drogas e seus vários aspectos, suas capas, sinopses e links na Estante Virtual para compra.

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  4. acho que a maconha nao vai mais ter vez, e uma coisa muito lucrativa manter ela proibida! qualquer droga na verdade, acho que o proximo passo e campos de concentracao para drogados,
    ja vai ter testes nas estradas, quanto mais proibido, mais dinheiro, melhor para os corruptos

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  5. Cara, a história muda, ela nunca é homogênea e estável, a cannabis foi proibida à "pouco" tempo, mas por quanto tempo ficará proibida ninguem sabe!
    outra coisa seria que na história não existe "secções" ou "cortes" bem definidos na mudança dos processos históricos! Por exemplo, é proibido e ainda fumamos! A estratégia de "dominação" imposta não é respeitada, porém, é financiada por quem alimenta o mercado ilícito criado a partir da proibição! Sendo que se para todas as estratégias existem as táticas de resistência (por isso, não compre, plante!!) E a cultura não é passível 100% do que o sistema impõe, ela também fabrica cultua, de forma sub-reptícia ou de forma contudente. Quando a cultura começar a ser mudada e as táticas forem mais fortes que as estratégias do estado em proibir irão começar a perder o sentido. Ou eles mudam de estratégias ( e criamos novas táticas) ou a cultura em geral adota a cannabis. Foda é que essas coisas demoram muito para mudar, e parece que no caso do Brasil, mesmo como um "entorpecente" é "legalizado" (Ex:A Bebida de Jurema ja foi combatida por missões de inquisição no Brasil colônia) a maior parte das pessoas (da cultura predominante) acaba marginalizando quem faz o uso dessas substância.
    Por isso que temos que tentar ir mudando lentamente a cultura e fazendo intervenções políticas (cade a galera votando na banda do legalise it? ).

    Não compre plante!!!Enriqueçam a cultura cannabica!!!

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  6. A proibição das drogas seria a origem da terceira guerra mundial?haha A situação no México me faz pensar que sim...

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  7. O Professor Henrique é muito foda. Uns dos melhores do dep de História da USP

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  8. h, ele eh doi NEIP, deêm uma olhada no site
    http://www.neip.info/

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  9. pessoal sabem ond se axa o livro para venda?

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