domingo, 12 de junho de 2011

[Ed.120#] Discovery Hemp: A Erva, A Cura, A Culpa – de Lu Lacerda!

Deu no Jornal O Globo de hoje, página 16, e também está publicado no blog do Arnaldo Bloch, a matéria com título de A erva, A cura, A culpa. Um relato impressionante que marca um avanço histórico para nossa causa. Leia, vale muito a pena:

 

Aproveito o lançamento do documentário “Quebrando o tabu”, sobre descriminalização das drogas, estrelando Fernando Henrique Cardoso, para fazer um depoimento-desabafo: um amigo californiano usa maconha com fim medicinal (possui até uma carteira de identificação para, se preciso for, provar que está legalizado). Em seu país, o consumo terapêutico dessa droga é autorizado por lei. Numa conversa, descobri que a planta o curara de um grande problema que também tenho: o bruxismo. Fiz o teste, dando duas tragadas num desses cigarros por algumas noites alternadas. Resultado: vi-me livre das dores com que convivo a cada manhã, livre de acordar no meio da noite com a cabeça latejando, livre de, em certos dias, sequer poder mastigar uma colher de pudim.


Pensando mais no futuro, veio-me ainda a esperança de talvez não mais ter que conviver com ameaças de surdez nos próximos anos; não me sentir na iminência de uma outra cirurgia para implante de osso; dar um basta na sensação de que engoli mais um pedacinho de metal; livrar-me de uma das minhas inúmeras placas usadas para dormir (tenho de todos os tipos: plástico, silicone, acrílico — todos os materiais, modelagens, desenhos existentes no terrível escopo do bruxismo. Não há meditação, ioga, homeopatia, marido, Rivotril, esporte, que amenizem o sofrimento provocado pelo travamento dos dentes, muito desgastados desde a pós-adolescência. Fiquei num grande estado de excitação: a cura estava ali, a meu alcance.

Pedi a duas médicas uma declaração, um depoimento, atestando que preciso fazer uso dos benefícios dessa planta. Nada obtive: nenhuma delas está autorizada a fazê-lo. “Seria ilegal”, diz uma psicóloga que defende o uso dos cigarrinhos verdes para alguns pacientes (nas internas, que fique claro). Ensina até quem vende a droga sem química, plantada e colhida na região fluminense. Maconha orgânica. Conversei também com um advogado. Ele me disse que poderia tentar, mas dificilmente conseguiríamos alguma coisa. O único resultado positivo seria o de estimular o debate. Foi o que me impeliu a escrever este apelo.

Quero apenas o direito de dar duas tragadas num cigarro de maconha todas as noites, na minha cama, no meu quarto — apenas duas! —, sem precisar ir morar nos Estados Unidos, vivendo na minha cidade, no meu país, sem ter que me sentir uma contribuinte do tráfico e, por tabela, da violência. Não suportaria essa culpa, mesmo sabendo que é um argumento sujeito a vários questionamentos.


Duas tragadas. É tudo. Fazem me amolecer um pouco, nada mais. Não se trata de usar a droga como quem o faz para “suportar melhor a existência” (já ouvi isso). Simplesmente, encontrei um remédio. Uma erva. Como outras, com fins medicinais, dependendo, sempre, da dosagem. Os índios fazem bom uso de todas elas, e o limite é estabelecido por cada um de acordo com o conhecimento acumulado ao longo de milênios.


Não tenho interesse em nenhuma droga como droga, nem para o chamado uso recreativo (álcool aqui incluído); aliás, não suporto perder o controle, em nenhuma situação. Nem na adolescência, quando, na minha fantasia, os baseados tinham o poder de trazer inspiração, criatividade e ideias originais para escrever textos maravilhosos, da mesma forma como os roqueiros que eu conhecia faziam com suas músicas. Claro que na época experimentei maconha, como todos os jovens da minha idade. Uma amiga insistia para que eu fumasse mais, mais e mais (em vez de aguardar, como se deve, que as primeiras tragadas façam efeito), resultando numa primeira experiência bastante penosa que terminou em vertigem e vômito.

Não me tornei usuária, mas tive, na ocasião, um sonho intenso, marcante. Eu fumava e começava a escrever freneticamente. Parava, analisava e concordava com todos os pensamentos que surgiam, não discordava de nada. Coisas banais ficavam importantes, coisas importantes ficavam banais, mas todas iam passando. Por vezes eu abraçava as palavras, mas elas conseguiam fugir de mim quando eu menos esperava. As letras criavam disfarces: elas estavam ali, mas não estavam. E nem sempre seguiam a ordem de que eu gostaria. As mais sinuosas se misturavam entre si na forma de colares gigantes, que iam de um país a outro, sem se deixarem molhar no mar ao atravessá-lo. Algumas só se perdiam, levando com elas a coesão do pensamento. O que ia me restar, então? E escrevia, relia os textos, as sensações, as paixões, as confissões, mas tudo se esvaía. Era mesmo o fim da minha lua de mel com as palavras. A morte era preferível. O problema é meu ou do fumo?, pensava, no sonho, cheia de uma culpa injusta.

Ou seja, durante as décadas que se seguiram, minha relação com a maconha se resumiu a esse pesadelo. Até eu tomar conhecimento desse seu lado atenuante para meu desespero pessoal. O fato é que o meu sonho agora é bem outro. Quero apenas isto que considero essencial: não ser privada do que para mim é um medicamento que me alivia o insuportável bruxismo. Quero poder consumir as ervas que bem entender, assim como posso usar hortelã para um suco, ou a arruda para “limpar” um ambiente, tranquilamente. A sálvia anda difícil, segundo me disse a espiritualista Ana Lang, que vive na Gávea. Não poder usá-las? “Arrenego”. Fiz questão de escrever a palavra por achar que combina bem com uma camponesa como eu (fui criada em fazenda), acostumada a uma relação de intimidade e respeito com todas as plantas e, apesar disso, sem o direito de usá-las como algo útil, essas dádivas.

Aliás, quando ouvi pela primeira vez a palavra maconha, era ainda uma criança. Foi durante uma conversa entre meu pai e um senhor muito simples, candidato a vaqueiro. Ao ver minha mãe nervosíssima, numa crise violenta de tosse, ele perguntou se não teria um pé de maconha ali por perto. E afirmou: “Se fizesse um chá, ela se acalmaria e ficaria logo boa.” Nunca soubemos se isso seria real. Voltando à atualidade, considero-me, de fato, uma cidadã: trabalho muito, pago imposto, respeito o outro. Por que, então, no meu país me proíbem um remédio que me traria a paz ante um mal que me consome? Isso dito, deixo uma pergunta: entre o bruxismo e a culpa, o que faço eu?

17 comentários:

  1. Uma verdade dessas no jornal o GLOBO.... novos tempo virão!

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  2. http://lulacerda.ig.com.br/categoria/blog/

    Proibiciopatas já comçaram a vomitar pelos dedos no blog do Arnaldo.

    "...não há comprovação blá-falácias/mentiras-blá etc"

    Até o Ministério da Saúde brasileiro latrino-americano retrógrado, conservador, obtuso, por mais que siga fingindo não enxergar, já admite uso medicinal para algumas aplicações: náuseas, vômitos e esclerose.

    Outro disse que não deve ser fumada quando usada com fins medicinais. Nunca viu pacientes nos hospitais de Israel em matéria da Globo.

    E nem no Nat Geo paciente de câncer vaporizando.

    E também nem faz idéia e nem quer saber que no sul deste país escroto, um homem com câncer de garganta vomitava só de olhar para a seringa do medicamento para alívio de dor da quimioterapia. Substituiu por maconha, recuperou apetite e sarou das dores e náuseas até que um espírito de porco puxa saco de Estado denunciou sua plantação. Ele está na Justiça pelo direito de, absurdo...de viver.

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  3. liberdade sativalover12 de junho de 2011 às 21:39

    muito bom! só mais um exemplo dos benefícios da erva proibida

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  4. Muito bom , muito bom ..
    gostei do texto , creio que devemos fazer , oque queremos , se tu queres plante e fume..
    pois a lei não consulta ao povo para sua criação
    ela apenas e criada , por um homem como nos , enquanto ele cria a lei para o povo , sigamos nos a nossa lei.

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  5. Muito bom o texto, espero que em alguns anos mude a constituição e o pensamento do país em relação a maconha, esse preconceito que faz parte da nossa herança cultural tem de acabar, e que futuras gerações possam usufluir da erva sem ter de preocupar-se com a repressão!
    Legaliza!

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  6. gostei do texto, escreve bem!
    vamo que vamo galera, vamo balança que tudo tende a legalizar, abraçonildes

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  7. Ótimo texto!

    Também tenho bruxismo e não me sinto curado com a maconha, mas que ela alivia os sintomas consideravelmente é indiscutível.

    Se pensar nas alternativas citadas pelo meu médico, com cirurgias e costurar a mandíbula, prefiro correr o risco de ser tratado como um criminoso, mesmo em busca de uma solução para um problema médico, do que me submeter ao torturante procedimento e também extenuante recuperação.

    Um dia lembraremos do tempo em que a maconha era proibida e seus apreciadores tratados como criminosos e teremos vergonha do tratamento dado aos que fazem uso da erva.

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  8. Este texto está monstrissimo!!! Show

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  9. Muito bom o texto,achei mais legal ainda porque eu tambem tenho bruxismo,e uso cannabis tambem,
    mas nunca senti alguma diferença ;/

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  10. Vc não tem culpa nenhuma, a culpa é do sistema...

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  11. Monstríssimo mesmo!
    Deve ser muito divulgado...

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  12. Parabéns ao blogueiro que não permitiu manifestações de ódio e deseducados ou incentivos à violência.

    Abaixo um que estava doido pra entrar com a proibiciopatia costumeira, ou seja, dizer que quer matar, fazer e acontecer, mas não pôde. Aí restou tentar argumentar civilizadamente, mas...como se sabe, não há argumentos.

    Deu nisso aí embaixo.

    Nome: Milton Naves - 13/6/2011 - 0:18
    Ok, ok. Deu pra entender. Ótima forma de conseguir 100% de apoio nos comentários. Imagino que qualquer coisa fora do "amém" geral pode ser classificado, no mínimo, como "estigmatizante". Já dá pra ver o desdobramento, com chamadas de primeira página comemorando apoio generalizado dos leitores. E eu aqui perdendo meu tempo a esta hora com mais um comentário estigmatizante, a ser suprimido na maior tranquilidade...

    Em tempo: "Usuária defende uso medicinal"? É claro que sim. Todos os usuários defendem...

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  13. Todo mundo que tem alma e cérebro defende uso medicinal, proibicopata.

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  14. ela é só mais uma de milhares por ai ou até por aqui mesmo, que vão se deitar ou levantam e pensam na erva e no bem que ela nos traz. E se perguntam seria certo,ou, egoísta da minha parte fazer o uso de uma planta que me faz bem, mas graças ao sistema faz mal há milhares?. LEGALIZE MARIJUANA !

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  15. nossa faz como agente...........tem um broder que ó ele pode né,mas aqui num da pra falarr...me liga ta.......hehe

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