segunda-feira, 7 de maio de 2012

Entrevista com Evandro Lins e Silva! [Baseado na Lei Ed. #67]

por Cacá “King Size” Müller

 

Antes de apertar o baseado jurídico desta semana, aproveito a oportunidade para pedir desculpas pela ausência desta coluna na semana passada. Infelizmente, as dificuldades impostas pela Babilônia não nos permitem agir como desejado. Mas já estamos de volta e vamos aproveitar a oportunidade deste encontro para mostrar uma entrevista feita com o Advogado Evandro Lins e Silva (1912 – 2002), publicada originalmente pela Revista Época e feita por Martha Mendonça. Nesta entrevista, o saudoso jurisconsulto fala a respeito de violência, tráfico, crime organizado e “drogas”. Vamos lá:

 

O advogado Evandro Lins e Silva, de 90 anos, 70 deles militando nos tribunais, nunca teve medo de nadar contra a maré. Na década de 40, durante o Estado Novo, defendeu mais de 1.000 presos políticos. No período da ditadura militar, como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus que desagradaram aos militares. Em 1979, foi alvo de críticas feministas ao defender Doca Street, namorado e assassino de Ângela Diniz. Agora, diante da violência e do crime organizado que crescem no país, volta a ser polêmico ao defender a descriminalização das drogas. 'O tráfico acabaria em pouco tempo, e a violência que ele gera também', diz, espantado com os atos de terrorismo que estão acontecendo, em especial no Rio de Janeiro.

 

 

Lins e Silva continua com vida muito ativa. Há três meses, vem tendo aulas de computador. 'Meus bisnetos controlam essa máquina, não posso ficar atrás. Viver é aprender', ensina. Tem dado especial atenção à faculdade de Direito que leva seu nome, inaugurada no início do ano. 'A ideia é que os alunos não saiam só bacharéis, mas formados em cidadania.' No dia-a-dia, divide seu tempo entre o escritório no Centro do Rio e o apartamento em Copacabana, onde mora só desde a morte da esposa, Maria Luísa, em 1984. Sempre cercado de livros, concedeu entrevista a ÉPOCA.

 

Martha Mendonça – A cidade do Rio de Janeiro viveu na semana passada mais uma noite de terror. Por que esses atos de violência dos traficantes estão se repetindo?

Evandro Lins e Silva – De fato, casos assim eram mais isolados. Meu pressentimento é de que o governo do Estado deve estar agindo com maior firmeza e o tráfico responde com demonstrações de força.

 

Martha Mendonça – O que pode ser feito sobre as armas?

Lins e Silva – Deveriam ser proibidas a fabricação indiscriminada de armas e sua venda. Anulam-se todos os portes e parte-se do zero para voltar a liberar. Fabricação só a partir de pedido oficial, polícia, autoridades. E zero de entrada no país. O governo tem de cuidar disso. É sua função constitucional. O grande obstáculo é o enorme lobby da indústria de armas.

 

Martha Mendonça – O senhor acredita no poder paralelo do crime organizado?

Lins e Silva – Existe um determinado poder que foge ao controle das autoridades e é localizado nas favelas: a disputa pelo comércio da droga. Com a falta de emprego e oportunidades na vida, as pessoas acabam aderindo a esse estilo de vida, se tornando parte disso, seja ativamente, seja por omissão. O traficante, por ganhar muito dinheiro, ganha o poder de corromper e cria uma teia de força muito grande.

'A droga só gera violência por ser crime. A Chicago dos gângsteres, por exemplo. Lá, o crime se organizou a partir da lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas. Quando liberou, acabou.'

 

Martha Mendonça – Como combater o tráfico?

Lins e Silva – Combater à força é bobagem. O tráfico se tornou a oportunidade de emprego de muitas pessoas. É decorrente dos problemas socioeconômicos do país. Eu defendo a descriminalização das drogas.

 

Martha Mendonça – E o que diria a nova lei?

Lins e Silva – Seriam permitidas a fabricação pelos laboratórios e a venda nas farmácias. Então se passaria a tomar conta das violações nessa venda, sendo necessário receita médica ou algum tipo de regra. Limites seriam criados. Se for feita uma venda irregular, que se puna a infração. Mas não seria mais crime. Dessa forma, a venda da droga sai da esfera marginal.

 

Martha Mendonça – Sempre que o tema da descriminalização vem à tona, fala-se muito que o crime organizado se voltaria para outras ações, como assaltos, roubo de carros, e a violência continuaria...

Lins e Silva – Pode ser. Mas é preciso haver uma ação racional para cada área. O mais importante é focar no que realmente interessa, que é educar e dar oportunidade de emprego às pessoas. Isso, sim, reduziria todo tipo de crime. A solução, a longo prazo, é de natureza social. Mas, por ora, descriminalizar é um passo importante.

 

Martha Mendonça – O senhor conhece muitas pessoas que concordem com isso?

Lins e Silva – Poucas. É uma solução polêmica e as pessoas gostam de discutir a questão moral que isso envolveria. Mas é um caminho muito simples e lógico. O mundo inteiro deveria seguir a mesma linha. A droga não é um problema brasileiro, é mundial. Claro que ao lado disso seria necessária uma campanha maciça no país condenando os efeitos da droga, em especial nas escolas. Mas há outras medidas importantes, como coibir o contrabando de armas.

 

Martha Mendonça – Sempre que a violência cresce, há uma pressão da sociedade por penas maiores. Por outro lado, as cadeias estão superlotadas. Como resolver isso?

Lins e Silva – Cadeia não é solução. Nunca foi, nunca será. Presídios imensos são construídos com custo fabuloso, em vez de escolas. Manter a população carcerária é muito caro para o Estado. Tenho 70 anos de advocacia. Nunca vi alguém sair da cadeia melhor do que quando entrou. Cadeia é a coisa mais infame que já se inventou. E ainda cria uma situação de marginalização permanente. Ninguém mais dá emprego àquela pessoa quando sai, ela acaba parando no crime de novo.

 

Martha Mendonça – Quem deve ir para a cadeia e por quanto tempo?

Lins e Silva – Sou absolutamente contra a prisão como método penal. Deve-se segregar quem for realmente perigoso, quem põe em risco a vida alheia. Hoje a concepção é tão diferente que me assombra. Não se julga um crime, se julga uma pessoa. Há que ver o motivo que levou a pessoa a cometer o crime. Se alguém mata o pai é um crime bárbaro. Mas por que foi isso? Se foi para receber a herança é uma coisa, se foi para defender a mãe das agressões do pai é outra. Há que se olhar as motivações de cada um. Veja os crimes passionais. Nunca vi passional reincidente. O ideal é que se reprima evitando a prisão de toda maneira. As penas alternativas são a saída.

 

Martha Mendonça – O código penal está ultrapassado?

Lins e Silva – Sim, em muitos pontos. Um exemplo: o crime contra a propriedade é punido com pena mais grave que o crime contra a vida.

 

Martha Mendonça – Deve ser porque a propriedade está sendo mais valorizada que a vida.

Lins e Silva – É sintomático. Hoje o deus é o mercado, é o dinheiro. O sistema capitalista não permite o fim da desigualdade social. Em meus 90 anos de vida, nunca vi uma perspectiva tão sombria para o mundo como agora. E olhe que testemunhei períodos de guerra e revolução. Como conceber que homens como Bill Gates tenham mais de US$ 60 bilhões? O que ele vai fazer disso? Ele vai morrer, como toda criatura, sem conseguir gastar a maior parte. Enquanto isso, milhões de pessoas passam fome no mundo. É uma distorção, me surpreende que as pessoas não se choquem com isso.

 

Martha Mendonça – Qual foi seu melhor momento profissional?

Lins e Silva – Sempre brinco que será o próximo! Mas tenho grande orgulho de ter defendido mais de 1.000 perseguidos políticos durante o Estado Novo, que criou um órgão de triste memória, o Tribunal de Segurança Nacional. Foi um período de grande terror, eu sei o que enfrentei. Eu me afirmei aí como advogado.

 

Martha Mendonça – E o pior momento?

Lins e Silva – Não foi uma derrota, mas as vezes em que atuei na acusação. Uma situação, em especial, me atormenta até hoje: um médico teria matado um rapaz que fazia barulho na rua. Acusei, o júri popular condenou e ele se matou na prisão. Eu estava convencido de que ele era culpado, mas e se não fosse? E me arrependo de ter acusado. E se a decisão tivesse sido mais resultado de minha eloqüência que dos indícios concretos? Penso nisso até hoje, 40 anos depois. Se um pecado cometi na profissão, foram as poucas vezes em que acusei. Das defesas não me arrependo de nenhuma.

 

Martha Mendonça – O senhor acredita em justiça divina?

Lins e Silva – Boa parte de minha vida supus ser ateu, mas recentemente descobri que não sou. Percebo que existe algo de indefinível que se traduz na perfeição das coisas. O funcionamento do corpo humano. O fato de roçar um botão na TV e entrar uma imagem. Acho que essa perfeição das coisas se chama Deus.

 

Martha Mendonça – Mas o mundo não é perfeito.

Lins e Silva – É verdade. Isso me lembra a frase de um pensador francês: 'Neste mundo terrível, Deus é de oposição'. Engraçado que supersticioso sempre fui. Não ando debaixo de escada, não passo sal na mesa e, para subir na tribuna, só com o pé direito. Convivi muito com crendices dos réus. Para muitos, os resultados favoráveis eram mais responsabilidade dos orixás que do advogado.

 

Martha Mendonça – Qual é a maior vantagem de viver tantos anos?

Lins e Silva – Viver é bom. Tive pouco lazer na vida, trabalhei como o diabo. Mas meu prazer sempre foi o trabalho, então fui e sou feliz. Costumo dizer que uma vida longa é boa porque dá tempo de fazer tudo.

 

Observe, reflita, pense, critique, evolua e mude o mundo.

3 comentários:

  1. Bancada Evangélica quer emplacar uma lei que ANULA as decisões da justiça brasileira. Motivo: poder anular as decisões sobre aborto, casamento homossexual e descriminalização da maconha. Eles perceberam que a proibição vai contra os direitos humanos e que há grande possibilidade do STF julgar favorável à descriminalização! Abaixo notícia extraída do correioweb.com:

    Aborto e união homossexual ficam na mira da bancada dos evangélicos

    Karla Correia - dsdsdsds

    Publicação: 07/05/2012 08:04 Atualização: 07/05/2012 09:48

    Ainda sob a ressaca da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminalizou o aborto de anencéfalos, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados se articula para aumentar o alcance de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa que autoriza o Congresso a sustar atos normativos do Judiciário “que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”. Os evangélicos veem na PEC a oportunidade de dar ao Legislativo a capacidade de anular decisões do Judiciário que, em sua interpretação, tenham invadido a prerrogativa de legislar. Além da autorização do aborto de fetos com malformação, por trás desse interesse estão na mira da bancada posicionamentos como o que reconheceu as uniões estáveis para casais do mesmo sexo.

    “Não consigo entender por que o Judiciário tem que ter mais poder do que os demais Poderes. O Supremo não é infalível, ele pode errar e nós devemos estar atentos para corrigir esses erros”, argumenta o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO). Na página que a frente mantém na internet, a contrariedade em relação ao aborto e à união de casais homossexuais são temas frequentes. O texto mais recente, publicado em 25 de abril, reproduz discurso de Campos em plenário que trata justamente da PEC.

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  2. O STF é obrigado a defender os direitos humanos quando solicitado (provocado via processo, como é o caso do processo que julgará a dscriminalização). Os políticos são omissos em questões como drogas, pois não querem mexer num vespeiro, então, o STF é obrigado a se posicionar. Ou seja, querem continuar sem legislar quando o assunto é "espinhoso" e depois anular as decisões da Justiça que tem que trabalhar para garantir um mínimo de direitos humanos.

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  3. Tenho medo dessa bancada evangelica!

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