quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Mais Cânhamo, menos Canhões! [CannaBusiness 208#]

por Amarildo Ferreira

 

No período de 1920 a 1933 os EUA adotaram a Lei Seca, conhecida como The Noble Experiment. A medida considerava a venda, fabricação e transporte de bebidas alcoólicas para consumo como crime, e criou departamento federal específico para combate ao álcool, do qual seus membros ficaram conhecidos como Agentes da Lei Seca.

 

A lei, fortemente apoiada por segmentos tradicionalistas da sociedade e altamente pautada em princípios dogmáticos, culminou numa série de consequências negativas para a sociedade, piores do que aquelas que intecionava em combater (a saber, prejuízos causados pelo consumo de álcool à saúde física e psicológica).

 

 

Dentre essas consequências, citam-se as seguintes:

 

1. Com a proibição das bebidas alcoólicas, surgiu uma nova oportunidade criminosa de obtenção de recursos, uma vez que a medida foi tomada apenas pela ação em uma das pontas do problema, no caso, a comercialização, neglicenciado a gênese da situação. Desse modo, reduzia-se a oferta, mas não ocorria o mesmo com a demanda, ocasionando ambiente propício ao alcance de lucros enormes com a comercialização ilegal do produto, obedecendo-se à simplista Lei da Oferda e da Demanda, que demonstra que quando a oferta é maior que a demanda, o preço tende a se elevar, enquanto, quando a situação é inversa, a tendência do preço é reduzir;

 

2. O surgimento dessa oportunidade saltou imediatamente às vistas dos criminosos, sobretudo daqueles envolvidos no sistema da máfias, muitos deles políticos ([ínicio de parentêses] o envolvimento da classe política nesse tipo de ação criminosa pode ser considerado indício de que a promulgação da Lei Seca teve como objetivo racional a criação desse mercado paralelo de alta lucratividade [fim dos parênteses]), que passaram a investir nesse tipo de atividade econômica ilícita, originando-se, assim, um mercado negro especializado na fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas a preços muito acima do praticado antes da vigência da lei;

 

3. Acompanhando o início desse tipo de comércio, uma série de fatores se sucedeu:   

3.1 aumentou o nível de corrupção ativa e passiva nos EUA;

3.2 os indíces de violência se elevaram, impulsionados pelos inúmeros assassinatos cometidos por conta da máfia do álcool;

3.3 houve prejuízos enormes ao Tesouro Estadunidense ocasionados pela sonegação fiscal (Al Capone, maior expoente dessa época, foi preso, por exemplo, não por conta da comercialização de bebidas ou dos inúmeros assassinatos que sua quadrilha cometeu, mas por sonegação de Imposto de Renda);

3.4 elevação da evasão de divisas, pois a grande parte do álcool vendido era proveniente de países vizinhos, principalmente do Canadá; e

3.5 no que está relacionado ao assunto saúde pública, aumentou o número de problemas de saúde ocasionados pelo consumo de álcool, pois o governo não tinha mais como controlar a qualidade das bebidas vendidas, que, por diversas vezes, eram fabricadas nos fundos das casas e acrescidas de componentes químicos diversos, dentre eles formol, para aumentar a quantidade produzida.

A análise acima, ainda que superficial, mostra o quanto a Lei Seca foi falha e abriu caminho para uma série de problemas. Sua apresentação foi feita para fazer uma sensibilização com relação à política de drogas adotada pelo Brasil atualmente, com concetração na análise dos fatores a favor da descriminalização da Cannabis. Não é necessário grande esforço para perceber que as mesmas consequências relacionadas à proibição da venda, transporte e cultivo da maconha ocorrem no Brasil. E, além dessa analogia, ainda existem outros fatores a serem levados em consideração na defesa pró-legalização da maconha.

 

Inicialmente, deve-se considerar os benefícios medicinais que o consumo da maconha proporciona. Embora não seja inteiramente inofensiva para a saúde humana, afinal nada é inofensivo quando associamos ao ser humano - o sexo em excesso pode causar esgotamento físico e a reverência excessiva à uma religião pode causar intolerância, seguida de atos de violência e guerras, para ficarmos em apenas dois exemplos. Logo, afirmar que algo só traga benefícios ao ser humano ou é ignorância, ou é hipocrisia.

 

Entretanto, a maconha possui diversas propriedades que minimizam extremamente os possíveis efeitos nocivos que possa causar e é menos danosa à saúde humana do que algumas drogas legalizadas atualmente, como álcool e tabaco. Abaixo, apresentamos alguns dos benefícios medicinais do consumo da maconha (se tiver dúvidas quanto às fontes, acesse os links ao final da postagem e confira).

 

  1. Combate de enjoos, permitindo a pacientes portadores de câncer realizar quimioterapia com menores efeitos colaterais;
  2. Abrir o apetite, reduzindo a perda de peso de portadores de doenças que reduzam a vontade de comer;
  3. Regular a pressão intraocular, reduzindo as possibilidades de cegueira em portadores de glaucoma;
  4. Ser utilizada na terapia para transtornos neurológicos e do movimento por reduzir os espamos causados pela esclerose múltipla e a lesão parcial da médula espinhal;
  5. Reduzir a rigidez muscular em pacientes com esclerose múltipla; e
  6. Estudos apontam que a maconha pode ser utilizada para combater fobias sociais, principalmente por ser antiansiolítico e antidepressivo;
  7. A maconha também pode ser utilizada como auxílio no tratamento da asma bronquial devido às propriedades anti-inflamatórias do tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da planta;
  8. Em experiências com ratos adultos, cientistas constataram que os cannabinoides possuem a capacidade de regenerar células do hipotalamo, região do cérebro responsável pelo aprendizado.

Bem, a lista é muito grande é só por conta dela já é um bom argumento para a defesa da descriminalização e posterior legalização da maconha. Entretanto, outros argumentos se tornam necessários. Um dos mais utilizados contra a legalização é de que a maconha seria a porta de entrada para outras dorgas mais pesadas. Porém, estudo publicado no Journal of Psychoactive Drugs conclui o contrário, e ainda adiciona que a injustiçada ganja pode ser utilizada na recuperação de dependentes de crack.


Nossa, muita coisa, não é?! Nem tanto, ainda falta mais. Por exemplo, ainda existe o fato de que a maconha é considerada planta sagrada em algumas religiões do mundo, dentre elas a mais conhecida é o Rastafari, mas também existe associação da planta com as religiões da Índia, inclusive o budismo, e, portanto, criminalizar o uso dessa planta nos cultos dessas religiões vai contra o inciso VI do artigo 5º da Constituição/1988, o qual diz que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias", o que torna inconstitucional a prisão de Geraldo Antonio Batista, líder da Primeira Igreja Niubingui Coptic de Sião do Brasil. Para reforçar esse argumento, convém citar que no livro Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre afirma o uso da maconha nos cultos religiosos trazidos pelos africanos, muitos dos quais incorporados pelo cristianismo católico predominante na colonização, testemunhando seu uso no Rio de Janeiro, onde era conhecida como pungo, na Bahia, sob o nome de macumba (daí o nome da religião afrobrasileira, considera por muitos estudiosos, dentre eles Jostein Gaarder, Victor Hellern e. Henry Notaker, autores d'O Livro das Religiões, sendo o primeiro também autor do best-seller O mundo de Sophia, como a religião legitimamente brasileira), e em Pernambuco por maconha, sendo chamada também de diamba ou liamba entre os usuários da erva (Gilberto FREYRE, Casa-Grande & Senzala, p. 395 e  479). O autor prossegue, afirmando que "[...] alguns consumidores da planta, hoje cultivada em várias partes do Brasil, atribuem-lhe virtudes místicas [...]". É tão interessante essa relação da maconha com a religiosidade, que a primeira bíblia impressa foi feita de fibras de cânhamo, mas essa aplicação da Cannabis que ultrapassa o ato de fumar será brevemente abordada a seguir.


E já que falei acima em Constituição, vale lembrar que juridicamente há discussões calorosas sobre a legalidade de sua criminalização, com defensores de sua legalização levantando como argumento o fato de que, para que haja crime, é necessário que se tenha uma vítima. Ou seja, a escolha sobre fumar ou não maconha tem seus efeitos diretos somente na pessoa que decide em praticar tal ato. E falar que isso gera problemas para o restante da Sociedade por financiar o tráfico é erro metonímico, pois esses efeitos nocivos são originários do atual modelo de combate às drogas, afinal, a legalização da maconha, além de gerar um controle sobre sua qualidade e distribuição e arrecadação de impostos que podem ser utilizados na educação ou na saúde, ainda representa um golpe duro aos traficantes, que perderão uma de suas fontes de financiamento. Além disso, estudiosos constataram que a atual política contra as drogas além de não lograr a vitória, por um lado, por outro ainda constitui em fonte de violação de direitos humanos, como bem explica o Delegado Orlando Zaccone no vídeo abaixo. Ou seja, fumar maconha não mata, mas a política adotada em torno desse produto criou mecanismos eficazes de corrupção, prisões injustas e fabricação em massa de mortos.

 

 

E o uso da maconha não se restringe somente ao seu consumo em forma de cigarros. Diversas são as aplicações industriais que seu cultivo pode ter, podendo ser aplicada na indústria alimentícia (manteiga, brigadeiro, leite, bolos, biscoitos, snacks, etc),  na produção de papel, tintas, medicamentos, combustível, tecidos, cosméticos e de uma diversidade de outros produtos. O primeiro Ford Modelo T, por exemplo, era feito de aço e maconha e movido a combustível feito de maconha, e as velas das caravanas portuguesas que chegaram ao Brasil eram feitas de fibras de cânhamo. E tal fibra é mais resistente, flexível e durável do que o algodão, por exemplo, necessitando de menos água e agrotóxicos em seu cultivo.


Agora, chegou a hora de recapitular um pouco: a maconha pode ser utilizada como alternativa ou complemento a vários tipos de tratamento medicinal; também pode ser utlizada no tratamento de dependentes químicos; é utilizada em cerimônias religiosas; criminalizá-la gera violações de direitos humanos, corrupção ativa e passiva, e financia o tráfico; e seu uso pode ser aplicado em diversas indústrias (da alimentícia à automobilística). Mas, ainda faltam alguns pontos a serem consideados.


Surge, então, uma pergunta: por que álcool e cigarro são legalizados e a maconha não? O consumo de álcool em excesso, por exemplo, é extremamente nocivo à saúde, causando, entre as mais frequentes, doenças sexuais, cardiovasculares, vários tipos de câncer, o diabetes e problemas pulmonares crônicos, além de ser fatal quando associado à direção. A OMS (Organização Mundial da Saúde), por exemplo, estima que por ano 2,5 milhões de pessoas morrem devido consumo inadequado de álcool. Já o cigarro mata, segundo a OMS, "mais que a tuberculose, a AIDS e a malária juntas", num total de 5 milhões de pessoas por ano.  Por outro lado, a maconha, em milhares de anos de consumo pela humanidade, possui somente 0 (ZERO) mortes em toda a história!!!! E por que não nenhum registro de morte provocada por maconha na literatura médica? Simples: porque, além de todos esses benefícios medicinais e não-medicinais que seu uso gera, para que uma pessoa morra por excesso de consumo de maconha seria necessário fumar setecentos mil baseados em menos de 15 minutos. A título de comparação, o álcool, por exemplo, pode matar por parada respiratória se ingerido 5,0 gramas de álcool/litro de sangue, e a cafeína se ingerida 42 xícaras de café.


Então, por que defendem a política proibicionista? Nesse ponto, existe duas posturas: a daqueles que defendem a proibição por interesses econômicos, afinal há muita gente GRANDE por trás dos ganhos com o tráfico e pela eliminação da maconha na indústria farmacêutica, principalmente, e em outras indústrias em que a marijuana pode ser utilizada; e outro grupo formado por aqueles que defendem a proibição por falta de conhecimentos, hipocrisia e/ou ultraconservadorismo, reproduzindo o discurso dominante, que, diga-se de passagem, também tem sua origem, além de interesses econômicos, preconceitos contra árabes, chineses, mexicanos e negros.


Por fim, vale citar os avanços, embora poucos, principalmente quando se leva em consideração os retrocessos que surgem durante o caminho, como é o caso da nova legislação holandesa quanto ao comércio da erva, que a busca da legalização tem obtido. Recentemente, por exemplo, os estados de Washington e Colorado, nos EUA, legalizaram o uso recreativo da maconha, enquanto o estado de Massachussets aprovou seu uso medicinal. Entretanto, acredito que o principal destaque está aqui na América Latina, no Uruguai, que iniciou debates e possui projetos para legalização da maconha e seus derivados, mediante controle estatal, com objetivo de combater o tráfico de drogas, guerra que perdida pelas atuais políticas, inclusive com declarações do atual presidente uruguaio, Pepe Mujica, considerado"o presidente mais pobre do mundo" devido seu estilo de vida modesto, de que a "maconha merece mais respeito".


Outra notícia animadora, também originária do sul do continente, foi o reconhecimento por parte da ONU (Organização das Nações Unidas) do direito dos bolivianos mascarem folha de coca para fins medicinais e rituais por ser uma tradição milenar, o que pode abrir precedentes para a questão da legalização da maconha.


Agora, se você discorda de tudo que eu falei, tem esse desafio aqui do pessoal do Marijuana Policy Project (MPP): prove que a maconha faz mais mal que álcool e ganhe US$ 10 mil!!

NÃO COMPRE, PLANTE!!!

10 comentários:

  1. ZACCONNE SEMPRE BRILHA!!!

    ME EMOCIONO DE VER ESTE TIPO DE COISA.

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  2. É impressionante como as pessoas não percebem...

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  3. Lei da Oferda e da Demanda, que demonstra que quando a oferta é maior que a demanda, o preço tende a se elevar, enquanto, quando a situação é inversa, a tendência do preço é reduzir;

    acho que é o contrário HEMPA!

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  4. A alienação não permitiria um ultraconservador, ignorante e mal humorado nem começar a ler essa maravilha de post, tampouco assistir a belíssima palestra de Orlando Zaccone. Acredito que este seja o problema a ser enfrentado até conseguirmos a tão sonhada descriminalização e regulamentação das drogas.

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  5. Excelente post, meus parabéns. Só achei que faltou falar um pouco sobre as verdadeiras origens da proibição: a conspiração de grandes empresas contra os produtos feitos a base de cânhamo, como tecidos, papéis etc, que eram de alta qualidade e muito mais ecológicos/econômicos do que as porcarias que essas empresas vendiam (e que continuam vendendo até hoje). Isso é importante pra galera entender que a maconha nunca foi proibida por fazer mal á saúde ou algo do tipo.

    Pra quem tiver interessado, tem um texto bacana que trata desse assunto: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/07/474407.shtml

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  6. ÓTIMA REPORTAGEM, TODOS DEVERIAM LER ISSO, PAZ PARABÉNS HEMPADAO!

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  7. Nem preciso dizer o quanto eu fico feliz em ter um texto meu aqui no Hempadão, um dos canais cannábicos que eu tenho como referência!!!!! No entanto, preciso assumir dois pequenos erros no texto, e que já foram corrigidos lá no meu blog: o primeiro, é que eu acabei invertendo a Lei da Oferta e da Demanda, dizendo que quando a oferta é maior que a demanda o preço se eleva, quando, na verdade, é contrário. O segundo, é que eu usei a palavra "antiansiolítíco" para falar das propriedades que a cannabis possui de diminuir a ansiedade e a tensão, enquanto a palavra certa é somente ansiolítico. E, a título de curiosidade, o título da postagem eu tirei de um poema pró-legalização que escrevi (http://amarildofjunior.blogspot.com.br/2012/06/420.html), embora exista a possibilidade de alguém já ter utilizado a frase antes de eu ter me apropriado dela!!!!! É isso!!!!

    JAH bless & shiloh!!!!

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