[Ed.110] Adão e Erva: Maconha Cura? – Fechado Hermeticamente!

Como eu queria acreditar naquele mito de imunidade e irmandade entre os adeptos da fumaça de thc. Fumam poetas e pedreiros, professores e políticos. Mas também fumaram os nóias, os bandidos, os dolabelas, alguns covardes de cabeça fraca. Gostaríamos de acreditar na função pura, da erva pura, em uma pureza que não temos, por isso colhemos com mãos sujas de humanidade a erva no pé, mas nem assim… ou assim pior.

 

São egos e dengos, vidas e vias, fomes e fúrias, condições e condutas, éticas, estéticas e etecéteras… tudo isso mexido por sistemas endocanabinóides em fogo.

 

Ninguém deixa de ser humano por fumar um baseado, pelo contrário, dizem os sábios: o enteógeno tem a capacidade de atenuar o que já há dentro de cada um. Tal como elixir da verdade, a cannabis age? Falácia. A verdade não tem ação, só paira no infinito absurdo e obscuro da percepção. A maconha age. É preciso respeito e coragem: pra vida.

 

Isso não é texto de autoajuda. É mero desabafo de um homem milenar que viu até Jesus morrer na cruz. E de lá pra cá está acostumado a ver muitos notáveis serem crucificados. Muitos dão um dois, muitos são vinte e dois. Vários desde 2002 não param de falar mal do D2, como se um músico não pudesse fazer o novo, sendo o novo o mais inspirador do trabalho. Só porque não tem o que querem, xingam, ofendem. Como aqui na roda, por várias e várias vezes.

 

Adão não liga, fala sem medo e bota o dedo na larica de reflexão. Talvez pelo contrário do que se pensa… ao invés de na bênção santa verde clara de Jah, o usuário de maconha – muitas vezes marcado pela cultura de repressão – carrega seus traços de mazelas sociais explícitas. Se esconde e de tanto o fazer, talvez se esqueça do dever de fazer acontecer. Ou ainda pior, no hábito soturno, se perde no rumo de egoísmo e perde noções: gasta milhões pra manter vício igual crakudo, mas é incapaz de doar dez reais para a Marcha, ou contribuir comprando um livro ou um CD.

 

Fazer o quê? Arquétipo da realidade mais rasa da nação, um povo sem educação ou capacidade de interpretação já esculachou Adão, mesmo ele sendo amante da Erva. Comentaristas profissionais e torcedores xingando o juiz da arquibancada, mancada, Adão é filho de Jah e segue na caminhada. Mas de marginal que somos, vamos à beira. E o que vemos na subida é mais pobre e miserável do que algumas escadas de Madureira.

 

Adão já viu gente de nariz em pé porque planta e o outro não. Tão absurdo quanto ter nariz em pé porque tem biscoito e o outro não, carro, moto, tênis, inteligência, capacidade, ou qualquer coisa. Ter uma boa maconha não baixa o nariz de gente que se faz feliz com o aquilo que não condiz com a lei do homem, nem a lei de Marley.

 

Ou seja, Adão sempre quis acreditar que, além de todas as enfermidades passíveis de cura com a cannabis, que ela também pudesse agir na alma dos usuários. Erro pensar assim. Ela não age, a alma que age sob efeito dela e assim pode se achar em outras sintonias e sinapses. Mas ao sinal do silêncio das lápides, sem sermos livres ou termos livros para nos livrar, longe da legalização e mais perto da destruição da natureza, o que dizer? Obrigado por ler. E aconteça o que acontecer, lembre-se: Adão é você.