quinta-feira, 2 de junho de 2011

[Ed.118#] Portas da Percepção: Os especialistas do abstrato – ou quando Mircea Eliade soltou um pum!

por Fernando Beserra

 

Reiteradamente afirmo neste espaço que os enteógenos já foram tratados, ao longo dos séculos, das mais diversas formas. Chego mesmo a ser chato. Mas, hão de convir que muito mais desagradável foi a abordagem de poetas e antropólogos renegando a mater scientia – a calorosa mãe ciência, que tanto guarda de moral em seus seios fartos – e colocando preconceitos pessoais na frente dos bois.

 

 

Para começar, podemos citar ainda no século XIX, o tradicional livro “Os paraísos artificiais” de Charles Baudelaire, onde o poeta julga maravilhosamente o vinho – fonte e meio para o alcance de grandes alturas – e de forma horrenda o haxixe. O dr. da poesia chega a afirmar em seus “Exórdio para as conferências dadas em 1864 em Bruxelas”:

“Em tudo isto há muita coisa que tem que ver com os médicos. Ora, eu quero fazer um livro não de pura fisiologia, mas sobretudo de moral. Quero provar que os buscadores de paraísos fazem o seu inferno, preparam-no, cavam-no com um resultado cuja previsão talvez os horrorizasse”.

 

Ao lado do catolicismo farmacológico de Baudelaire, encontramos as visões de um autor mais contemporâneo, que escreveu no século XX, e que foi um dos maiores antropólogos e historiador das religiões do seu século. Estamos falando de Mircea Eliade. Apesar de sua área de estudo, jamais havia mencionado os enteógenos, sendo que escreveu um dos mais famosos livros sobre xamanismo: “Xamanismo e as técnicas arcaicas de êxtase”. Foi no período onde Eliade, também envolvido com a extrema direita, estava na ativa como professor, pesquisador e escritor que Robert Gordon Wasson, um banqueiro, criador da etnobotânica, realizava seus estudos do consumo de fungos enteogênicos na Rússia, do Soma (Amanita muscaria) e, finalmente, do consumo de enteógenos nas Américas. Infelizmente, como é difícil encontrar livros traduzidos sobre a temática, os de Wasson não fogem a regra.

 

Em sua obra sobre o Soma, Wasson cita passagens de Eliade sobre o “embriagantes xamânicos”. O antropólogo romeno chega a dizer que a “embriaguez mediante drogas (cânhamo, fungos, tabaco, etc) era um fenômeno recente que representava “a decadência dos xamãs de hoje”, embora Eliade fale deste modo, em nenhum livro cita referências ou um estudo da temática. Chega a dizer: “Os narcótico são só um vulgar substituto do transe ‘puro’”. Entretanto, a partir da obra de vários outros autores observamos que o uso de enteógenos remonta a milênios e era parte fundamental da cultura dos povos tradicionais (cf. La planta de los dioses; Pharmacotheon; Alimento dos deuses). Os próprios usos de substâncias não tradicionais por xamãs, a exemplo do álcool em alguns locais, ou mesmo do tabaco, não constitui necessariamente uma deterioração. Várias bebidas ou mesmo o tabaco foram incorporados em várias culturas de forma ritualizada, e só degeneraram quando da completa invasão do “homem branco” e sua destruição das culturas tradicionais.

 

Finalmente, o que para Eliade era degenerado, vulgar substituto, para Wasson foi “a religião pura e simples, livre de toda teologia, livre de dogmatismos, que se expressa com temor e reverencia, em voz baixa, quase sempre de noite, quando a gente se congregava para consumir o Elemento Sagrado”.

 

De forma tardia Eliade reconheceu o papel das “drogas” nas religiões, embora tenha dito, numa palestra ele não desejou ser questionado sobre este papel, e, ao ser perguntado, disse “não sei nada acerca delas”, e concluiu no auge da moralidade: “Não gosto dessas plantas”.

 

Para evitar a fadiga, como diria o mestre Jaiminho, encerramos hoje por aqui lembrando que os enteógenos são tão naturais e tão humanos, provavelmente sendo consumidos antes mesmo do neolítico, quanto um simples e singelo pum. O radical idealismo, daqueles que não vê que a base biofisiológica que estamos ligados e que pode ser aprimorada, não se atenta ao fato de que grandes figuras da humanidade comiam e cagavam. O fazer alma (soul-making) está nas relações com o mundo, da roda xamânica à Marcha da Maconha.

3 comentários:

  1. Primeiro na roda... Sinto que devo falar algo importante:

    Brigadero, amanha (3/6) é meu aniversario.

    Boa noite a todos os seres vivos.

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  2. Parabéns, colega! huahuahua

    Oi, honey!

    Pois é, triste, pra não dizer trágico. Eu ainda prefiro a imagem do xamã vendo o divino na fumaça do seu cachimbo! hehehe

    E lindo isso: "O fazer alma (soul-making) está nas relações com o mundo, da roda xamânica à Marcha da Maconha."

    Beijos

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  3. VITÓRIA!
    VITÓRIA!

    http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2011/06/comissao-global-diz-que-guerra-internacional-contra-drogas-fracassou.html

    ALÔ, HEMPADA - FAÇA MATÉRIA URGENTE, POR FAVOR!

    VITÓRIA, GALERA!

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