quinta-feira, 9 de junho de 2011

[Ed.#119] Portas da Percepção: Enteogenia e Estudo do Conhecimento!

por Fernando Beserra

 

Encontrava-me em Mangaratiba-RJ, sentado num banco, conversando com a Chaos Baby. Havia tomado, algumas horas antes, 8 sementes de argyréia nervosa. Uma bad trip descomunal tomara conta de mim e, naquele momento, conversávamos, tentando entender o que havia ocorrido. Os sentidos haviam todos sidos desfeitos, de modo que era difícil saber ainda quem eu era. Dentre esta dissolução, estava o script de psiconauta, escritor do Portas da Percepção, aqui no Hempadão. Após muito tempo de longa e angustiosa faladeira, um silêncio absurdo toma a sala. A televisão fora ligada há 5 minutos, mas ninguém olhara para ela até então, ou escutara o que ela falava. No exato momento que silenciamos, após falar sobre continuar a escrever sobre enteógenos, a televisão anuncia, com tom solene: “Se as portas da percepção fossem abertas, tudo se mostraria ao homem tal como é: infinito”. O programa termina. Olhamos atônitos um para o outro, rindo como crianças.

 

 

A ciência clássica e todo seu arcabouço metodológico, chamemo-lo de “paradigma positivista”, sempre confiou em seus pressupostos básicos: causalidade, atomismo, associacionismo, linearidade (do tempo e do espaço), determinismo, etc. Dificilmente os cientistas de uma determinada época conseguem refletir sobre as vísceras ou a base do saber que utilizam e que serve de alicerce para suas produções, seja em que campo do conhecimento for. É o que Thomas Kuhn chamou de “ciência normal”, isto é, os cientistas tipicamente se comportam como “solucionadores de problemas”, dentro de um quadro pré-limitado, o que ocasiona a acumulação de conhecimentos por um lado e pouca inovação, por outro. O paradigma que num primeiro momento é benéfico e contribui para a produção de conhecimento, acaba, em outros momentos, se tornando prejudicial e paralisando a inovação e a descoberta, sendo estas últimas classificadas como “má-ciência”, “obscurantismo”, etc.

 

É neste contexto que o pesquisador positivista não possui ferramentas ou argumentos capazes de compreender a experiência psiquedélica. Quando muito pode falar, como por vezes tem sido feito no MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelics Studies), sobre a relação de uso de determinada substância e a melhora ou piora dos sintomas de um quadro psicopatológico, p.ex, a relação entre o uso de psilocibina e a melhora da depressão. Porém, o saber positivista não é capaz de compreender o poder das imagens e da imaginação, as “experiências fora do corpo”, telepatias, ligação com o cosmos, sinestesia, dentre outros eventos não ordinários que podem ocorrer quando do uso de psiquedélicos. O que dizem as imagens?

 

Essas experiências são entendidas, através dos óculos do pesquisador clássico, como psicopatológicas, ou seja, doenças da psique. O julgamento arbitrário e anti-científico deste observador só pode se desenrolar deste modo não por sua falta de inteligência, mas sobretudo pela impossibilidade do seu “óculos metodológico” dar conta daquele evento, em outras palavras, das imagens, vozes ou experiências que fazem parte do fenômeno psiconauta.

 

Sendo assim, o psiconauta acaba sendo levado quase que invariavelmente a romper com a lógica clássica ou a considerar que descobriu um mundo doentio, problemático, já que não se adéqua à “normalidade perceptiva e sensorial”, mecanismo de controle que limita o que podemos sentir, ver, imaginar.

 

Claro que isso interessa a uma burrocracia dominante, seja estatal ou empresarial. Quanto mais idiotizados e seguindo a mesma ladainha, seja política ou religiosa, dominante, melhor para os que ostentam maior poder.

 

A enteo-genia, portanto, mais do que uso de psicofármacos, é uma poderosa ferramenta de dissolução do típico entendimento de que o “mapa é o território”, fornecendo amplo território para construção de novos mapas de sensibilidade, realização política e espiritual. Em última instância, é apenas o contato imediato com o luminoso o que pode ser considerado religião, isto é, religere.

10 comentários:

  1. não é só a gente que curte reggae nao meu povo ! http://www.youtube.com/watch?v=55OkDWkDPb8

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  2. Muito da hora o post,concordo com tudo..
    Quem tiver vontade,seria legal que visse esse video : http://www.youtube.com/watch?v=gxLfcqtr3M8&feature=player_embedded , que da tanto para relacionar com a primeira parte do texto como a segunda tambem..

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  3. Da uma moral ai pra mim
    GALERA

    http://www.cannabiscafe.net/foros/showthread.php/246304-Primeira-vez-que-planto-e-algumas-duvidas-%21

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  4. ótimo texto e ótimo video que o inthewwronghole postou também

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  5. Nossa... Olha a Sincronicidade desse post e do terceiro comentário! Coisa de doido!

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  6. ?

    Não entendi a sincronicidade com o 3o comentário

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  7. Muito bom irmão.
    Eu particularmente, me interesso muito em estudar/estudos psicanaliticos acerca de efeitos psiquedelicos. Muito bom texto, a conclusão ficou muito introspectiva, me identifiquei bastante.

    Show !

    Dudu Marfetan

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  8. É porque a sincronicidade foi muito minha, na verdade. hahahah Eu que fui muito impulsiva para comentar. Mas, tive um sonho com o Beserra onde se tratava, entre outras coisas, de um ensinamento para a modificação/transformação da consciência, onde a importância disso estava justamente em se experimentar 2012 e após esse sonho foi que me interessei um pouco sobre o que as pessoas escrevem a respeito das profecias Maias e da civilização Maia em si. Por isso a sincronicidade. Trens que carregam casas, cordões dourados e transformação de consciência. Essa foi a sincronicidade, não concordo com grande parte do conteúdo do vídeo, mas achei muita sincronicidade exatamente nesse post ser colocado um video sobre 2012 e os Maias.

    Abraços.

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  9. Mandou benzasso ! ja foi dito que o nosso campo inconsciente, nossas fantasias e nossos arquétipos foram na nossa atual epoca de modernidade suplantados pelos valores racionalistas.
    " Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica."
    Talvéz seha por isso que o positivista não compreenda o valor subjetivo que os sonhos têm.

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  10. Rs, é verdade anônimo,

    porém, por outro lado, o Razão, com R maiusculo, é apenas um novo mito, vivido a partir de um mitologema ou padrão arquetípico. A razão é emocionalmente defendida, uma imagem viva para os positivistas, que poderia iluminar o mundo das trevas da irrazão e limpar a desordem.

    Só que a desordem persiste e persistirá. Somos sonhadores, alquimistas, ativistas, psicodélicos, visionários, todos lutando, vibrando, sentindo, além da razão, além dos limites da lógica e experienciando a realidade além das fronteiras do vulgar.

    Abraços!

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