quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Arte Visionária e Enteogenia! [Portas da Percepção Ed. #137]

por Fernando Beserra

 

A arte é uma das mais antigas e misteriosas atividades realizadas através da história da humanidade. O próprio pai da psicanálise, Sigmund Freud, chegou a considerar que a arte está relacionada a sublimação, isto é, um mecanismo de defesa através do qual a libido (energia psíquica) de impulsos instintivos se transforma e se destina a metas socialmente desejáveis (realizações superiores). Gostaríamos de sublinhar que mesmo pensadores negativistas e de tendência positivista dão a arte um resplendor quase áureo, religioso.

 

 

Se a arte contemporânea muitas vezes se expressa em “actings” ou “performances”, por vezes libertas das opressões econômicas ou sócio-políticas, por outro lado, em alguns momentos temos a impressão que estas performances são espetáculos que procuram se eximir de suas importâncias sócio-políticas e espirituais, isto é, do destino de nossa cultura e humanidade. A representação coletiva do artista hoje se assemelha a ambivalente figura do trickster, um brincalhão, além do bem e do mal, um artista isolado e individualista.

 

Mas, um respiro de positividade ainda surge nos obscuros discursos do tipo: “A arte morreu”, que atravessam e ressoam nos sujos muros de nossas mega-cidades entijoladas. A “Arte Visionária” é a “expressão criativa de vislumbres no sagrado inconsciente, perpassando a mais ardente sombra imaginada de almas torturadas no inferno, os míticos arquétipos do demoníaco e heroicas forças da compaixão que parecem guiar e influenciar nossos sentimentos, e iluminar transpessoais reinos paradisíacos”[1]. O visionário está relacionado a origem de cada tradição sagrada e de revelações que originaram mesmo grandes tradições religiosas. Então, entre os diversos modos de acessar esses reinos e através de sua criatividade infinita criar a arte, podemos citar os sonhos, a meditação, momentos de pico (peak moments), momentos de estresse emocional, transes, etc. Como artes visionárias é claro que podemos nos remontar às artes xamânicas, tibetanas, zen-budistas, egípcias, maias, etc., mas também, por que não, à arte de Hieronymous Bosch (cf. Garden of delights) e Pieter Bruegel (Cf. Triunfo da morte). Continuando ao longo da história são célebres artistas visionários Wiliam Blake, a arte alquimista (Jacob Boehme, Robert Fludd), Van Gogh, Salvador Dali, o abstracionismo de Kandinsky, mas também o gênio mórbido de H.R. Giger.

 

Um dos vários métodos de alcançar as visões da arte visionária não poderia deixar de ser o uso de enteógenos, ou, como prefere chamá-los – por vezes – Antonio Escohotado: “Substâncias visionárias”. De acordo com Alex Grey: “Substancias como LSD tendem a catalizar o estado visionário, mas também podem abrir o acesso as dimensões infernais e aos mundos celestiais”. Esta procura na arte visionária dos estados invulgares foi chamada de “misticismo experimental”, abrindo acesso a experiência pessoal de forças transcendentes que podem vir a ampliar ou linkar a consciência ao próprio espírito criativo. O próprio Grey faz a advertência a artistas de personalidades “borderline”, que procurem evitar este tipo de substâncias e desestabilizações químicas. Por outro lado, o uso de psiquedélicos democratizou o acesso a reinos transpessoais da psique e pode ser considerado, hoje, um dos meios de abertura de visões menos materialistas e reducionistas da realidade hipercomplexa, sem a perda da visão crítica a dominação do homem pelo homem, ou, de modo ainda mais amplo, a destruição ambiental.

 

Para fecharmos o post de hoje, podemos lembrar que com o foco no coração, a arte visionária contemporânea tem procurado romper o fetiche ao obscuro e a tragédia, de cunho tão existencial, e propor visões mais positivas as possibilidades de renovação pessoal, social e espiritual para o nosso “holoverso”. Entrementes, parece necessário, mais do que nunca, abrir a possibilidade de encher nosso tantas vezes decrépito mundo de vida e alma. A frase de Kandinsky expressa bem este sentimento:

 

"Tudo que está morto palpita. Não apenas o que pertence a poesia, às estrelas, à lua, aos bosques e às flores, mas também um simples botão branco de calça a cintilar na alma da rua. Tudo possui uma alma secreta, que se cala mais que fala."


[1] - GREY, Alex. The Mission of Art.

3 comentários:

  1. Custei pra ler mas valeu ! concordo muita coisa xD

    E me empresta o fire q eu acendo 1ª da roda !!

    ResponderExcluir
  2. Ótimo texto... só mesmo experiências visionárias pra fazer as pessoas enxergarem o que está tão na cara, mas ninguém vê: a degenerescência moral, a completa inversão de valores que acomete a sociedade global; o fanatismo religioso e a corrupção de todos nós, bombardeados por verdades pré-fabricadas, inquestionavelmente aplicadas a tudo. Open the doors.......

    ResponderExcluir
  3. Infelizmente não é muito fácil abrir as portas, rs. Abrimos para nós, mas normalmente uma pequena minoria se torna capaz de questionar os canones. As empresas são fabricas de resignação, assim como tantos outros lugares, fabricando um negativismo morbido ou uma indiferença muito cruel do ponto de vista social e pessoal. Sorrimos de nossa desgraça, e chamamos de chato, inadequado, estranho, todo aquele que não deseja se enquadrar no status quo.

    E assim caminha a humanidade.

    ResponderExcluir