sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

NeuroTrip Guide: Capítulo 1 – Continuação! [Portas da Percepção Ed. #155]

por Fernando Beserra

 

Dando continuidade à nossa trip pelo universo enteogênico, e pela tradução do NeuroTrip Guide de Krystle Cole, vamos ao tema mor da coluna Portas da Percepção:

 

Enteógenos!

Os enteógenos têm sido utilizados como uma ferramenta espiritual de exploração da consciência em culturas muito diferentes ao longo da história. Alguns exemplos são os do kykeon de Eleusis, o soma do Rig Veda, o peiote da Igreja Nativo-Americana, o teonanácatl dos Astecas e a ayahuasca ou hoasca da Igreja do Santo Daime ou da União do Vegetal.

 

A palavra enteógeno tem conotações muito espirituais ao contrário de muitas das outras palavras utilizadas para descrever drogas psicodélicas ou alucinógenas. Os enteógenos (como o LSD, o DMT ou a mescalina) podem ajudar a entender a divindade atemporal que nos conecta a todos. A palavra enteógeno foi criada por Ruck et al. (1979). Eis aqui o que escreveram sobre seu significado:

 

 

Todas as línguas crescem junto às pessoas que as falam, tomando empréstimos ou inventando termos para manter-se com o ritmo dos tempos, ao tempo que igualmente se abandonam palavras ou elementos que já não são necessários. Quando a recente aparição do uso recreativo das chamadas drogas “alucinógenas” ou “psicodélicas” alcançou a atenção do grande público no início dos anos 60, elas foram vistas em geral com receio e associadas a comportamentos desviados ou de grupos revolucionários...

 

Das muitas palavras sugeridas para descrever esta classe de drogas tão particular só hão sobrevivido umas poucas. É opinião dos autores que assinaram este artigo que nenhum destes termos merece tampouco maior persistência se não é para insistir e perpetuar em nossa língua os maus entendidos do passado.

 

Não é apenas que “psicodélico” seja uma formação verbal incorreta, mas que o termo tem sido revestido de tais conotações da cultura popular dos anos 60 que resulta incorreto falar de um xamã que tome uma droga “psicodélica”.

 

Por tanto propomos um termo novo que seria o apropriado para descrever estados de possessão xamânica e de êxtases induzidos pela ingestão de drogas alterados da mente. Em grego a palavra entheons significa literalmente: “deus (theos) no interior” (que contêm a deus) e foi usada para descrever o que ocorre quando alguém é inspirado e possuído por um deus que entra em seu corpo. Se aplicada a ataques proféticos, a paixão erótica e a criação artística, assim como àqueles ritos religiosos em que experimentavam estados místicos através da ingestão de substâncias onde estava transsubstanciada a deidade. Em combinação com a raiz grega gen(o)-, que denota ação ou “conversão”, se obtém o termo que propomos: enteógeno.

 

O DMT ou dimetiltriptamina é um exemplo de um enteógeno que só foi utilizado em contextos espirituais durante milênios. Na América do Sul duas igrejas utilizavam como sacramento a ayahuasca ou hoasca: a do Santo Daime e a União do Vegetal. É um chá que se obtém da cocção de várias plantas. Uma das plantas contém DMT, outra contém inibidores da monoamonixidose (IMAO´s) e amiúde (a menudo) se inclui outra planta, mas que varia entre beberagens. As duas plantas principais se combinam no chá porque o DMT só é ativo quando ingerido oralmente se combinado com um IMAO. Ademais, o DMT pode ser insuflado, fumado, injetado ou administrado por via anal sem um IMAO.

 

Apesar do DMT estar dentro da categoria I de drogas nos EUA, a Suprema Corte do país ainda reconhece sua transcendência espiritual. No caso de Gonzáles contra o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal a Suprema Corte escutou os argumentos dia 1 de novembro de 2005 e por unanimidade ditou em fevereiro de 2006 que o Governo Federal deve permitir à União do Vegetal importar e consumir ayahuasca em cerimônias religiosas de acordo com a Ata de restauração de liberdades religiosas de 1993. Inclusive a Suprema Corte dos Estados Unidos reconhece a relevância espiritual destas substâncias.

 

O Centro Takawasi no Peru também utiliza ayahuasca em combinação com psicoterapia ocidental para tratar pacientes adictos. Jacques Mabit (2007) explicava que “A nível psicológico, a ayahuasca ativa processos de reparação psíquica tais como:

 

· Incremento da capacidade intelectual e da concentração;

· Emergência de recordações e emoções;

· Reformulação de conflitos;

· Estimulação da vivência onírica;

· Identificação da “sombra” que, desta maneira, liberta o sujeito da possessão e o induz a entender o outro e a poder ser perdoado;

· Rápida gratificação do esforço com um incremento na tolerância e na frustração;

· Melhora da autoestima;

· Entendimento por parte dos sujeitos da singularidade de sua existência, ser e de seu lugar no mundo;

· Facilitação do processo de diferenciação e individuação.

 

Jacques Mabit (2007) também descreveu algumas das afirmações de ex-pacientes que foram parte do protocolo:

 

“Todos os pacientes dizem que essas plantas os ajudaram diminuindo os desagradáveis efeitos da síndrome de abstinência”

 

“A ayahuasca parece facilitar a introspecção e os descobrimento de si mesmo” (14 de 15 pacientes).

 

“A ayahuasca permite ver, entender e perdoar através de um processo sossegado, libertador e sem culpa” (8 de 15).

 

“A ayahuasca te ensina (assunção de erros, conhecimento de si mesmo, dos próprios desejos e força interior; novas capacidades; capacidade de tomada de decisões; motivação para mudança; planificação futura)”.

 

“O protocolo induz uma mudança na quantidade e qualidade dos sonhos” (10 de 15).

 

“Se vive uma experiência de comunhão com a natureza” (11 de 15).

 

“Se descobre a existência de uma dimensão desconhecida da vida” (11 de 15).

 

“A relação com o sagrado ajuda o processo terapêutico” (12 de 15).

 

“O uso ritual de uma substância psicoativa natural se diferencia de um uso não ritual no sentido que proporciona proteção, guia, cura e que implica respeito” (13 de 15).

 

É isso galera! Semana que vem entramos na temática: “Ambiente” ou “Ambientação”, isto é, preparação de uma viagem.

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