domingo, 10 de fevereiro de 2013

Breves palavras sobre o Uso Terapêutico do LSD! [Portas da Percepção Ed. #207]

por Fernando Beserra

 

Já abordamos introdutoriamente, aqui no Portas da Percepção, a psicoterapia com psiquedélicos. Esta modalidade de psicoterapia tem sido cada vez mais estudada no mundo inteiro com viés científico rigoroso e de modo mais fluido dentro da psicoterapia de orientação transpessoal. Dentre seus pioneiros, podemos lembrar o psiquiatra tcheco Stanislav Grof e o médico mexicano Salvador Roquet. Já é tradicional no Peru também a clínica Takiwasi fundada por Jacques Mabit e poderíamos dar outros vários exemplos. Estas orientações que se aproximam mais ou menos do modelo ocidental de ciência e/ou das tradições xamânicas, são apenas o fio moderno de experiências milenares com os usos terapêuticos dos enteógenos.

 

 

As pesquisas iniciais com psiquedélicos, particularmente o LSD, tiveram como pano de fundo o “modelo psicose”, como se os psiquedélicos simulassem uma psicose, desta forma, muitos clínicos buscavam a “melhor” intervenção farmacoterapeutica na esperança de que conseguindo “parar” uma viagem psiquedélica conseguiriam também paralisar um surto psicótico. Evidentemente, os experimentos não foram férteis, pois as experiências com psiquedélicos são bastante diversas aos surtos psicóticos. Outro uso inicial, este acredito muito mais profícuo, foi o de profissionais e estudantes das áreas da saúde mental: psiquiatras, psicólogos, estudantes de medicina e enfermagem. Acreditavam, o que acho bem razoável, que a experiência com LSD poderia criar habilidades para lidar melhor com os estados mentais anormais. O resultado do “treino via psiquedélicos” provavelmente fui útil não pela equivalência da experiência psiquedélica à experiência psicótica, mas por um tráfego mais livre e menos preconceituoso através de estados alternativos de consciência. O uso de psiquedélicos tem como característica a ampliação da consciência através da mudança dos círculos habituais de percepção e pensamento, resultando na flexibilização de esquemas cognitivos. Através da abertura à experiência do outro, de fato o profissional da saúde mental cria canais de comunicação mais abrangentes, facilitando a relação com o paciente durante um surto psicótico ou durante uma emergência espiritual.

 

Embora as possibilidades terapêuticas do LSD tenham sido consideradas por muitos, inclusive reiteradamente por seu criador, o químico suíço Albert Hoffman, Stan Grof no livro LSD Psychoterapy considera que a primeira sugestão das propriedades terapêuticas desta substância data de 1949 e foi realizada por Condrau e, dois anos depois, os primeiros estudos científicos por Stoll na Suíça. A partir daí, pesquisadores pensaram sobre a importância adjunta do LSD para o processo psicoterapêutico, o aprofundando e intensificando, foram eles: Busch, Johnson e Abramson nos EUA, Sandison, Spencer e Whitelaw na Inglaterra e Frederking na Alemanha. A partir o LSD foi utilizado no tratamento de várias patologias: dependências, sociopatia, e pessoas com várias desordens, dentre as quais os chamados “desvios sexuais” (que desde então foram bastante alterados, particularmente no CID-X e no DSM-IV). No início dos anos sessenta uma nova área foi explorada, o uso de LSD para pacientes em estado terminal com câncer ou doenças incuráveis.

 

A partir daí, pasmem, foram criadas duas organizações para realizar os treinamentos dos profissionais de saúde que se utilizavam dos psiquedélicos. Na Europa foi criada a European Medical Society for Psycholytic Therapy e nos EUA e Canadá a Association for Psychedelic Therapy. Mas, de lá para cá, muita coisa se passou e mesmo antes do grande banimento do LSD como terapêutica (e sua recente “re-descoberta”), diversas pesquisas já demonstravam alguns problemas no uso psicolítico do LSD, isto é, o uso diário em doses muito baixas. Condrau acreditava que as propriedades estimulantes do LSD poderiam ser úteis contra a depressão, p.ex, então receitava baixas quantidades de LSD diárias a seus pacientes; os resultados deste experimento foram negativos ou inconclusivos, pois não houve variação entre o uso do medicamento e nenhum uso. Tornou-se evidente para os terapeutas que as propriedades do LSD que contribuam para tantos vieses terapêuticos não poderiam ser conseguidas com o uso de qualquer quantidade, particularmente as não-psicoativas.

 

Para quem já lê a coluna Portas da Percepção ou acompanha os estudos da área há algum tempo, não irá estranhar este resultado, na medida em que é típico da ciência ocidental afastar qualquer possibilidade positiva dos estados alternativos de consciência, enquanto sabemos que, no contexto certo e conduzido de forma segura, os estados alternativos de consciência podem ser extremamente positivos do ponto de vista psicológico, contribuindo para o que o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung chamou de processo de individuação.

 

Hoje não serão abordadas as pesquisas contemporâneas do LSD e de outros psiquedélicos. Alguns outros posts e mesmo um vídeo que fiz já introduzem o assunto. Mas vamos acumulando informações, inclusive históricas, sobre estas substâncias tão misteriosas.

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