Ecstasy: uma Droga Saudável? [Portas da Percepção Ed. 174#]

por  Fernando Beserra

 

No dia 15 de Junho de 2012 o jornal francês Le Monde divulgou uma matéria sobre a anfetamina conhecida como Ecstasy. A matéria trás o seguinte título: “O ecstasy: uma droga saudável segundo um oficial canadense”.

O chefe da saúde da província “Colúmbia Britânica” ao oeste do Canadá, Dr. Perry Kendall, declarou que mesmo em longo prazo o ecstasy (ou MDMA) não é perigoso para a saúde e não provoca danos cerebrais.

 

Para o canadense, entretanto, isso não significa que o uso atual seja isento de riscos e danos. Kendall relatou que o existe risco no consumo da droga nas ruas, na medida em que estas são modificadas, isto é, não são puras. Em última análise o usuário não sabe o que realmente está utilizando, fazendo um consumo às cegas. Sobre a ausência de risco, Kendall refere-se ao uso controlado e prescrito por médicos. Nas palavras de Kendall:

 

 

“Ao menos que você o obtenha de um psiquiatra em um contexto de ensaio clínico legítimo, hoje você não pode ter certeza do que há no interior, quando há nele, ou se é tudo simplesmente saudável. Então eu diria, como eu já disse no passado, não fique com ele (com o ecstasy de rua)”.

 

O médico defendeu a regulamentação do ecstasy pelo Estado, evitando maiores danos na ocorrência de seu consumo. Cada vez mais estudos têm demonstrado como o MDMA pode ser importante no tratamento da depressão e no transtorno de estresse pós traumático (cf. MAPS). Por outro lado, novas apresentações de “ecstasys” de rua têm causado mortes pelo mundo, como foi o caso no Canadá do uso do chamado “Pink ecstasy” em um grande festival. Outro exemplo foi a substância MTA, popularizada por um estudo de Nichols, e sintetizada por “químicos amadores”. Isso não muda o fato, além disso, da grande perda líquida, que deve ser reposta, provocada ao longo do efeito da meta-anfetamina, bem como dos riscos provenientes de sobre-dose e interação com outras substâncias.

 

O ecstasy, embora já tenha um século de existência, só foi popularizado após sua “re-descoberta” nas décadas de 60 e 70 do século passado. Os estudos do ecstasy têm ocorrido em universidades e organizações não-governamentais, como o MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelics Studies) ou em pesquisas legalmente aprovadas em alguns países como EUA, Holanda, Suíça e Espanha. Na Universidade Purdue, p.ex, o farmacologista David Nichols estuda o MDMA há mais de 20 anos, tendo inicialmente com companheiro de pesquisa o famoso químico Alexander Shulgin.

 

Segundo o MAPS, as organizações farmacêuticas não têm apoiado os estudos do MDMA porque a patente para o MDMA expirou e nos tratamentos ele é utilizado apenas algumas vezes, o que reduziria o lucro das indústrias. As indústrias nestes transtornos mentais têm lucrado através da venda de medicações paliativas e através da longa duração dos transtornos. É triste, mas quem conhece um pouco da história das indústrias farmacêuticas não duvidará da triste informação.

 

Opinião: É importante notar que, embora estejamos falando de um produto feito em laboratório, de um produto sintético, os efeitos terapêuticos do ecstasy são distintos de uma medicação habitual, na medida em que possuem significativa psicoatividade. É preciso para seu uso adequado cuidado com ambientação e, no caso da depressão, acompanhamento e manejo psicoterapêuticos. O médico, por si só, provavelmente encontrará dificuldades para fazer esse acompanhamento pelas características de seu atendimento e formação profissional.

 

Muitos psicólogos no Brasil, infelizmente, ainda não deram o passo necessário para iniciar esses estudos. O Conselho Federal de Psicologia tem defendido veementemente a perspectiva da Reforma Psiquiátrica e ido contra a internação compulsória de usuários de drogas, o que constitui um grande avanço e uma defesa louvável. Entretanto, ainda não iniciaram no Brasil, de maneira mais vigorosa, as discussões sobre a importância da psicoterapia com enteógenos ou entactógenos.

 

Algumas pesquisas pioneiras no âmbito da psicologia têm sido realizadas, por exemplo, por correspondentes ou membros do Núcleo de Estudos Interdisciplinar sobre Psicoativos (NEIP), como a dissertação de Arturo Escobar sobre a Observação e Exploração da Percepção Visual e do tempo em indivíduos sob o estado ampliado de consciência após o consumo de cogumelos “mágicos”. Gradualmente têm aumentando também o número de escritos sobre a temática.

 

O colunista do Portas da Percepção do Hempadão levou o assunto a debate ao evento promovido pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, mas é necessário que mais esforços sejam levados para que a chegada dessa discussão no Brasil não seja tomada pelo debate simplesmente medicalizante.

 

Sobre os psiquedélicos comercializados como Legal Highs, como o caso do K2 (como suposto substituto lícito da maconha – e na verdade prejudicial a saúde), muitos só existem graças a proibição de produtos como maconha, LSD ou mesmo do MDMA autentico. Se o Estado realmente pensar em saúde, a regulamentação dessas substâncias psicoativas tornadas ilícitas é urgente e pode salvar muitas vidas. Com investimento adequado dos impostos em programas de saúde, toda a sociedade tem muito a ganhar com estas medidas.

Links de notícias sobre o assunto tratado no post:

http://www.slate.fr/lien/57817/ecstasy-saine-sante-canada

http://bigbrowser.blog.lemonde.fr/2012/06/15/sante-lecstasy-une-drogue-saine-selon-un-officiel-canadien/#xtor=RSS-32280322

http://www.npr.org/blogs/health/2011/01/06/132706691/chemist-laments-illicit-drugmakers-use-of-his-discoveries

Estudo do MAPS: http://www.maps.org/research/mdma/