[Ed. 86#] Portas da Percepção: Porque Usar um Enteógeno? – Parte II!

por Fernando Beserra

Próximos ao século XXI, entretanto, estas pesquisas (comentadas no último post) começaram a ganhar corpo novamente. Por um lado, começou a emergir, paralelo ao desenvolvimento científico, o que Jonathan Ott chama da “Reforma Enteogênica”, uma “re-conexão do ser humano atual com sua herança cultural mais importante: o nexo com a tradição espiritual de experiência direta com o divino, que têm informado nossa cultura desde suas origens”[1]. De outro lado, os estudos científicos foram menos orientados, desta vez, por razões políticas e procuraram uma maior “neutralidade”[2], seguindo com maior acuidade os pressupostos da ciência tradicional: rigor metodológico, precisão instrumental, possibilidade de replicar os experimentos, em suma, os estudiosos colocaram-se mais próximos do paradigma positivista ou neo-positivista.

Um exemplo é a pesquisa noticiada pelo jornal New York Times em 11 de abril deste ano intitulada “Hallucinogens have doctors tuning in again” escrita por John Tierney. O artigo jornalístico conta o caso do psicólogo clínico aposentado Clark Martin que passou por uma série de tratamentos para depressão sem sucesso. Seu caso parecia intratável enquanto ele lutava com “a quimioterapia e outros regimes fatigantes para o câncer de rim. Aconselhamento parecia inútil para ele. Assim como as pílulas antidepressivas que ele tentou” Aos 65 anos Martin teve sua primeira experiência enteogênica com o uso de psilocibina (princípio ativo de alguns cogumelos “mágicos”), substância que tem sido testada pela escola médica John Hopkins.

O uso dos enteógenos em Hopkins é feito com o paciente usando máscara nos olhos, deitado num sofá e com fones de ouvido, ouvindo música clássica. Neste setting Martin considera que esta experiência, de aproximadamente seis horas, tenha ajudado significativamente a superar sua depressão, além de “transformar profundamente seu relacionamento com sua filha e amigos. Ele classifica a experiência entre os eventos mais significativos de sua vida”.

Alguns pesquisadores, como é o caso de Roland Griffiths, professor de biologia comportamental na Universidade Johns Hopkins, estão intrigados com as semelhanças entre experiências relatadas ao longo da história pelos místicos ou pessoas que meditam e as experiências induzidas por substâncias enteodélicas.

“Em um dos primeiros estudos de Dr. Griffiths, envolvendo 36 pessoas sem problemas graves físicos ou emocionais, ele e seus colegas descobriram que a psilocibina poderia induzir os sujeitos experimentais descreveram como uma profunda experiência espiritual com a duração de efeitos positivos para a maioria deles. Nenhum deles tinha tido qualquer experiência anterior com alucinógenos, e nenhum deles estava mesmo certo que droga estava sendo administrada”.

Bastante semelhante a experiência que Timothy Leary conduziu com o dr.Pankhe? Sem dúvidas, mas não fugindo aos cânones da ciência clássica. Não ignorando o poder médico. Lembremos que Leary conduzia os trabalhos com enteógenos longe de qualquer médico e também fugia deliberadamente do ambiente clean e antiestético das pesquisas clássicas em laboratório. Ou seja, Leary não estava interessado em descartar as variáveis ambientais no resultado do uso dos enteógenos, ao contrário, as utilizava para potencializar a meta do uso.

Ainda dentro do modelo experimental, outro estudo foi documentado nos Arquivos Gerais de Psiquiatria (Archives of General Psychiatry), tendo sido citado numa matéria do Health.com e na CNN. O estudo, tendo Charles Grob como pesquisador responsável, procurava descobrir se a psilocibina era eficaz no tratamento da ansiedade em pacientes terminais com câncer[3]. Os pesquisadores (estudo de follow up) acompanharam os pacientes e mesmo após 3 meses do uso de pequena quantidade de psilocibina os pacientes relataram diminuição da ansiedade e melhora no estado de humor. Após 6 meses do uso o escore médio em um teste usado para mesurar depressão havia diminuído 30%. Tão importante quanto estes resultados é que o uso da psilocibina não agravou a ansiedade de nenhum dos sujeitos experimentais.

Estudos cada vez mais sistemáticos estão sendo realizados, e importantes pesquisadores dos enteógenos, como Stanislav Grof, Salvador Roquet, Richard Yensen, foram fundamentais neste processo. Semana que vem vamos explorar um pouco mais as diferentes perspectivas da terapia com enteógenos e suas peculiaridades.

E ai, alguém faria uma psicoterapia com enteógenos?

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[1] - No Pharmacotheon.

[2] - Colocamos a neutralidade entre parêntesis, pois sabemos que não há neutralidade no campo científico, mas apenas fantasias de neutralidade.

[3] - http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:aRpVj8ElVJkJ:enteogenico.blogspot.com/2010/09/psilocibina-no-tratamento-da-ansiedade.html+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk